sexta-feira, 17 de maio de 2013

walden, ou a vida nos bosques 3


Pela expressão coisa necessária à vida entendo aquilo que, entre tudo o que o homem obtém com seu esforço, desde o começo foi, ou pelo prolongado uso se tornou, tão importante para a vida humana que nunca ou raramente alguém chega, seja por selvageria, pobreza ou filosofia, a tentar viver sem ela. Nenhum animal exige qualquer coisa além de Alimento e Abrigo. (...) e foi da descoberta acidental do calor do fogo e seu consequente uso, de início um luxo, que possivelmente nasceu a atual necessidade de se sentar perto dele. (...) Não só a maioria dos luxos e muitos dos ditos confortos da vida não são indispensáveis, como são francos obstáculos à elevação da humanidade.

Atualmente existem professores de filosofia, mas não filósofos. (...) Ser filósofo não é simplesmente ter pensamentos sutis, nem mesmo fundar uma escola, mas amar a sabedoria a ponto de viver de acordo com seus ditames, uma vida de simplicidade, independência, generosidade e confiança. É resolver alguns problemas da vida, não apenas teoricamente, e sim na prática. (...) O filósofo está à frente de seu tempo também na forma exterior de sua vida. Ele não se alimenta, não se abriga, não se veste, não se aquece como seus contemporâneos. Como um homem pode ser filósofo sem manter seu calor vital com métodos melhores do que os dos outros homens?



Penso também naquela classe que na aparência é rica, mas na verdade é a mais terrivelmente pobre de todas, que acumulou um monte de trastes, mas não sabe como usá-los nem como se livrar deles, e assim forjou seus próprios grilhões de ouro ou de prata.

A qualquer tempo, a qualquer hora do dia ou da noite, eu ansiava em penetrar na cunha do tempo e também cunhá-lo em meu bordão; colocar-me no cruzamento de duas eternidades, o passado e o futuro, que é exatamente o momento presente; pôr-me ali pleno e pronto.

A vida que os homens louvam e consideram bem sucedida é apenas um tipo de vida. Por que havemos de exaltar só um tipo de vida em detrimento dos demais?

Quanto à Roupa, para chegar logo à prática da questão, talvez sejamos movidos, na hora de providenciá-la, mais pelo amor à novidade e pela preocupação com a opinião dos outros do que por uma verdadeira utilidade. (...) Pois [o homem] leva em conta não o que é realmente respeitável, e sim o que é respeitado. Conhecemos poucos homens, mas inúmeros casacos e calças. Vistam um espantalho com sua roupa mais nova , e fiquem ao lado dele com uma roupa velha: quem não vai cumprimentar primeiro o espantalho? (...) Uma questão interessante é até que ponto os homens conservariam sua posição social se tirassem suas roupas. Num caso desses, vocês saberiam dizer com toda certeza quem, num grupo de homens civilizados, pertence à classe mais respeitada?

Um homem que finalmente encontrou alguma coisa para fazer não precisará de roupas novas para fazê-la; serve-lha a velha, aquela mesma que ficou se empoeirando no sótão por tempo indefinido. Os sapatos velhos servirão a um herói por mais tempo do que serviram a seu criado - se é que um herói tem criados -; pés descalços são mais antigos do que pés calçados, e lhe servirão muito bem.

E digo: cuidado com todas as atividades que requerem roupas novas, em vez de um novo usuário de roupas. Se o homem não é um novo homem, como as roupas novas vão lhe servir? Se vocês tem alguma atividade a fazer, tentem fazê-la com suas roupas velhas. (...) Talvez nem devêssemos arranjar roupas novas, por mais sujas ou esfarrapadas que estivessem as velhas, enquanto não tivéssemos dirigido, realizado ou navegado de maneira que nos sentíssemos homens novos dentro de roupas velhas e, aí sim, continuar com elas seria como guardar vinho novo em odres velhos.

É bom que um homem se vista com tanta simplicidade que pode tocar em si mesmo no escuro, e que viva sob todos os aspectos de forma tão despojada e pronta que, se um inimigo tomar a cidade, ele pode, como o velho filósofo, sair pelo portão com as mãos vazias, sem nenhuma preocupação.

THOREAU, H. D. Walden, ou A Vida nos Bosques.

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